Resenha "Uma Duas" Editora Leya"

Eu uma aula na faculdade de Jornalismo, um professor falou que para quem gosta de literatura, Eliane Brum era leitura obrigatória, para quem queria aprender a escrever com maestria então, ela seria uma mestra. Na hora ri, curiosa, anotei o nome dela à lápis no rodapé do caderno, como costumo fazer com o que quero procurar depois; o professor empolgado,  tirou da mochila um livro dela e começou a ler um trecho, foi amor literário à primeira vista.  Ali soube que ela estaria entre minhas autoras favoritas.  Eliane, uma das mais premiadas jornalistas do país,  tem o tipo de escrita que encanta e cativa, que a cada palavra nos faz querer devorar o livro de uma só vez. Literatura rara.
"Uma Duas" começa seduzindo, a narradora logo no início do livro solta a seguinte frase "Eu agora sou ficção. Como ficção eu posso existir", o suficiente para fazer qualquer leitor curioso não conseguir abandonar o livro. 
A história de uma filha e uma mãe, Laura e Maria Lúcia. Um relacionamento nada fácil, onde a história das duas se separa e se cruza novamente. Quando a mãe adoece e chega num grau de saúde bem decadente, a filha não vê outra saída que não ajudar-lhe, mas não sabe como. A tensão entre elas é tão grande que para ela será um exercício conviver novamente com a mãe. 
Quando chega ao apartamento da mãe, que foi encontrada extremamente debilitada, os vizinhos, o porteiro, os médicos, todos à considerando negligente. Ela passa a cuidar integralmente da mãe, enfreta seu desprezo, o tom acusador dos médicos, reorganiza o imundo e abandonado apartamento para que possam coexistir ali.
Sentimos a angústia do protagonista, todos os problemas entre mãe e filha que sempre tiveram um péssimo relacionamento, as dificuldades de conciliar o trabalho à sua nova realidade. Apesar de estar acostumada a solidão, ela acaba se sentindo útil ao cuidar da mãe. Enfrenta problemas na redação onde trabalha como jornalista e dúvidas quanto à profissão. 
Vemos cada etapa de transformação da protagonista, todas suas dúvidas e medos, e como ela enfrenta cada um deles.
Ao final do livro lemos a seguinte frase "Escrevi para poder matar minha mãe" e o que vemos é a incrível mudança de uma jovem que havia abandonado uma mãe forte e difícil de lidar, para uma mulher que volta e descobre um papel de fundamental importância na vida da mãe agora frágil e doente. 
A construção das personagens é incrível, assim como a exposição de cada papel social que nos faz refletir sobre a realidade. 
Com todas páginas em letras vermelhas, possivelmente um símbolo da tensão e dor entre as duas, vemos também que a tipografia é modificada conforme a personagem principal se sente. O título do livro sugere que mãe e filha são uma só em alma. 
A luta dolorosa e silenciosa de mãe e filha que se culpam mutuamente, é narrada de forma intercalada, hora por uma, a filha, Laura, hora outra, a mãe,  contando sua versão; quando sabemos um pouco da infância de Maria Lúcia entendemos parte de seu comportamento.
Toda a sensibilidade de Eliane está presente nessa obra densa e com enorme carga emocional.  

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